segunda-feira

Quase primavera

Costumo caminhar olhando para o chão. Esse hábito faz parte do instinto explorador que alimenta meu DNA de curiosa. Depois de anos posso dizer que não é todo dia que se encontra algo interessante nas calçadas.

Geralmente uso a rua principal do bairro, a rua do comércio, para quase tudo: supermercado, minimercado, padaria, restaurante por kilo, locadora, lojas e até sebo. A rua, na verdade com nome de avenida, é de mão única para os carros. Eles vem da Berrini, às vezes da Marginal, e atravessam o bairro para chegar à Santo Amaro ou Ibirapuera. No final da tarde os carros são tantos, que fazem fila. A essa hora só é possível sair de casa a pé. A calçada da avenida central nunca me provoca, só papéis de chocolate e de balas se enroscam em suas quinas irregulares. Em dias de sol forte é especialmente desagradável caminhar pela via que, vergonhosamente, é pelada sombras.

Meus caminhos preferidos ficam além. Gosto de passear pelas ruas arborizadas que dão endereço a sobradinhos de portões vazados e janelas grandes que deixam espaço pra imaginação. Hoje mesmo subi pela Rua Quintana, que me encanta pelo nome que leva à Portugal e lembra quitanda. Do lado direito o fúcsia das flores decorava os canteiros das casas, e do esquerdo, o lado do clube hípico, vinha o relincho de cavalos, cheiro de palha molhada, sombra de bambuzal, o som de ferraduras caminhando em chão duro, lembrança de férias em fazenda de amigos. O passeio pontuado de árvores de tamanhos variados me abrigava do calor intenso de quase primavera.

Investigava o chão quando fui surpreendida por um piso forrado de branco. Flores se desprendiam, flutuando silenciosas, para cair e formar uma cama sobre o cimento. Parecia que nevava. Parecia que havia silencio. Olhei para o alto e vi um ipê sem folhas, ornamentado de flores alvas. Por alguns momentos fiquei apreciando o presente. Agradeci e fui, levando comigo aquele pedaço de chão.


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